O MPLA, no poder desde 1975, diz que defende a contratação dos melhores quadros para gerir o país e travar a “gestão danosa” na administração pública. Como anedota até não está mal.
A posição, promessa, propaganda vem expressa no comunicado do bureau político do Comité Central do partido, a propósito do dia da Paz e da Reconciliação Nacional, 4 de Abril, que invoca o fim da guerra civil em Angola (2002), cujo ato central comemorativo está, este ano, agendado para Saurimo, na Lunda Sul.
Para aquele órgão, “no actual contexto da vida do país”, de crise profunda, recomenda-se “uma maior atenção ao desempenho dos quadros, aos quais foram confiadas tarefas de gestão”, acompanhada de um “combate mais firme contra a administração económica danosa ou irresponsável nas empresas públicas e à falta de disciplina na execução dos orçamentos afectos aos serviços da administração pública central e local”.
Paralelamente, o partido liderado por José Eduardo dos Santos, que é também titular do poder executivo e Presidente da República (nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979), reitera (como se fossemos todos matumbos) a vontade de “tomar providências para colocar, no aparelho do Estado, quadros com um perfil mais adequado” à gestão pública.
Como é evidente, basta ver os últimos 40 anos, “quadros com o perfil adequado” só existem no MPLA. Daí que, agora mais do que nunca, o regime defenda que o MPLA continua a ser Angola, e que Angola continua a ser o MPLA.
“Que tenham sentido de responsabilidade e a consciência necessária para ajudá-lo, enquanto força política governante, a fazer cumprir a sua orientação, que prevê o desenvolvimento de instituições fortes e capazes de realizar a sua missão, com eficiência”, refere o comunicado do bureau político do MPLA.
Recordando o pronunciamento feito em Março pelo Presidente do partido, os 14 anos de paz no país são assinalados com um balanço em que as “metas preconizadas” ficam “muito aquém” do que foi definido, nomeadamente “para o aumento da produção, da melhoria da gestão das empresas públicas, do funcionamento do sector bancário, do apoio ao empresário privado angolano e do enquadramento dos quadros recém-formados”.
O aniversário do fim da guerra civil em Angola fica este ano marcado pela profunda crise financeira, económica e social que o país atravessa, devido à quebra para menos de metade nas receitas com a exportação de petróleo, e epidemias de malária e febre-amarela que estão a levar centenas de pessoas todos os dias aos hospitais, somando-se assustadoramente os casos de morte, sobretudo de Luanda.
“O MPLA e o executivo continuam a mobilizar os angolanos, particularmente os empresários, para agirem, com urgência, para o aumento significativo da produção interna, especialmente a de bens de primeira necessidade, para a satisfação plena da demanda nacional e da diversificação das exportações, para o incremento das receitas em divisas”, refere o comunicado daquele órgão central do partido no poder.
Lei da probidade morreu há muito
A Lei da Probidade Pública constituiria, segundo seu articulado e os devaneios propagandísticos do regime, mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção.
Recorde-se que a Assembleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido e apologético destaque propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visaria (de acordo com a versão oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos angolanos.
Disseram na altura, e continuam a dizer agora, que o objectivo da lei era conferir à gestão pública uma maior transparência, respeito dos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos, universalmente aceites.
José Eduardo dos Santos, quando deu posse ao então novo Governo, entretanto várias vezes remodelado, reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na administração pública.
Apesar da unanimidade do Parlamento, e passado todo este tempo, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar (sentado) para ver se nos próximos dez ou 20 anos (o optimismos faz parte do nosso ADN) a “tolerância zero” sai do papel em relação aos donos dos aviários e não, como é habitual, no caso dos pilha-galinhas.
Essa lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”. É bonito. Digam lá que não parece – em teoria – um Estado de Direito?
Mas alguém acredita? Mas alguém está interessado? Acreditarão nisso os 68% (68 em cada 100) dos angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome? Ou as 45% das crianças que sofrem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Se calhar não acreditam. Têm, contudo, de estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. Mas acredita, diz, José Eduardo dos Santos. E isso basta. Se calhar a Lei da Probidade Administrativa fará que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do “ranking” que analisa a corrupção.
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do MPLA batem palmas à ordem do chefe, que em Angola a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos? Acreditarão os que sabem que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% da população?
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos os que sabem que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Também não interessa se acreditam ou não. O importante é que o MPLA recebe os encómios dos países acocorados perante o petróleo angolano, que preferem negociar com um regime corrupto do que, eventualmente, com um que tenha uma base democrática.
Se calhar, pensam baixinhos os angolanos que usam a cabeça e não a barriga para analisar o seu país, para haver probidade seria preciso que o poder judicial fosse independente e que o Presidente da República não fosse – como acontece à luz da Constituição – o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.
Se calhar para haver probidade seria preciso que Angola fosse um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.
Folha 8, permito-me destacar: “Mais de 90% da riqueza nacional PRIVADA foi subtraída (eufemismo para ROUBO !) do Erário Público e está concentrada em menos de 0,5 % da população” ! – Se dúvidas houvesse …